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Das coisas que a gente não sabe entender

 

O assentamento Pedra Vermelha, fica na Zona Rural do município de Arcoverde – PE, próximo ao bairro Sucupira. Ao redor ficam a Barragem e a Serra do Jacaré, locais que recebem muitos visitantes, para o lazer e para o turismo ecológico.  Apenas 3,2 km separam a Pedra Vermelha da Estação da Cultura, onde fica a sede da Tropa do Balacobaco. Os integrantes Dany, Jéssica, Yan e Lindry já se apresentaram no Assentamento em outra oportunidade.

 

    Arcoverde faz parte do sertão do Moxotó que é formado por sete municípios: fora Arcoverde, Custódia, Sertânia, Ibimirim, Inajá, Manari e Betânia integram a microrregião. Além do número de municípios que compõem o Sertão do Moxotó, sete é um número muito significativo na vida de Seu Raimundo. “Foram 7 anos debaixo da lona. Tive cinco filhos e uma de 8 meses morreu, da friagem e da quentura. Debaixo da lona é muito quente e o chão é muito frio. Ela não aguentou.” Nascido em Pesqueira, Raimundo está há 33 anos no Assentamento, desde a sua ocupação.

 

A lona é um símbolo muito forte para a história dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra. É debaixo dela que as famílias vivem nos acampamentos do MST no Brasil afora, enquanto aguardam a concessão da terra pelo Incra e, posteriormente, a posse definitiva da terra. Durante a ocupação da Pedra Vermelha, das 270 famílias que chegaram, 13 resistiram até a conquista da terra. Hoje são 28 famílias. “Tem história desse Assentamento que só quem sabe sou eu e Deus”, testemunha Seu Raimundo.

 

Somente em Pernambuco, há 143 acampamentos do MST. Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Instituto de Terras de Pernambuco (Iterpe), em Pernambuco, existem hoje 327 assentamentos rurais. Acampamento e assentamentos se diferenciam por orbitarem em momentos diferentes da luta sem terra. Conquistadas pelas famílias trabalhadoras rurais, que ocupam latifúndios improdutivos, grilados, com crimes ambientais e/ou trabalhistas e que, pela luta, são transformados em território de reprodução social das famílias camponesas.

 

Encontro das águas e seus afluentes

 

Dona Toinha, assim como Raimundo, é uma das mais antigas moradoras do Assentamento. Nele, teve três filhos, mas “nenhum se criou”, conta. Criou um sobrinho, mas ele foi-se embora, atrás de emprego. “A maioria das casas da minha família, foi meu marido quem fez. Essa é a minha (aponta para casa que estamos em frente). Tá assim no reboco, mas eu não arrumei porque eu não quero ficar aqui pra sempre.”

 

 A casa ao lado da sua era de sua irmã, que mudou para o bairro São Cristóvão em Arcoverde, por causa da escola dos filhos. Pergunto pra onde ela quer ir, atrás da irmã, talvez? “Lá pra cima”, ela responde, apontando para trás, onde ficam as casas mais afastadas. Dona Toinha conta que passa o dia na roça, cuidando dos bichos, colhendo palma, plantando, enquanto o marido faz serviço na rua. “Aqui a pessoa não pode criar galinha que atrapalha. As cabras que eu crio ficam presa ali em cima. Quero ficar perto, criar meus bichos”. 

 

    A Tropa apresentou algumas de suas histórias em frente à casa de Dona Toinha. Crianças, jovens e adultos foram se aproximando para ouvir a contação e dar boas risadas. As músicas foram acompanhadas de palmas. Na hora em que as histórias acabam, é hora de ir atrás do nosso propósito: ouvir as histórias e lendas da comunidade.

 

    Seu Raimundo confidenciou uma história, que por acontecer repetidas vezes, ganhou ares de lenda. Segundo ele, muitas pessoas já morreram na barragem que existe ali perto. Porém, muitas vezes, os corpos apresentavam as mesmas características: não havia água nos pulmões (sinal de morte por afogamento) e apresentavam um mancha roxa em volta do pescoço, típico de mortes por enforcamento. Pela repetição do fato, correu a história que dentro da barragem mora uma serpente, responsável por essas mortes. “A gente não sabe entender como isso acontece. Só sei que nos 33 anos que moro aqui, só tomei banho lá cinco vezes”.

 

    Em se tratando de coisas que a gente sabe e precisa entender,  é de que a  maior história que reside ali, é mesmo a da luta e da conquista desse território, que foi reconhecida no dia 19 de janeiro de 1992. Ainda que reconhecida, falta agora o documento de posse definitiva da terra. O lema do Movimento, segue sempre atual: ocupar e resistir. Seja a terra, o território, a arte ou as memórias de um povo que luta.



Jéssika Betânia